segunda-feira, 10 de novembro de 2008


Natureza morta com cortina e jarra.
De Paul Cézanne
c. 1899
Óleo sobre tela
547 x 740 mm
Hermitage, São Petersburgo (Rússia)

Neste quadro o que mais atraiu minha atenção foi a parte inacabada, no canto inferior direito, e além, a composição. Esta pintura sempre me instigou, despertando o meu desejo para criar a partir dela.
Pois foi o que fiz, criei dois moldes vazados em tamanhos distintos, observando o mais rigorosamente possível as proporções do quadro original e lancei-me ao trabalho:
Porém, foi apenas após publicar estas postagens que percebi que a composição toda pende para a esquerda,e todos os elementos do quadro parecem que vão cair. Isto dá ao quadro uma tensão considerável que o enche de energia e dinamismo inquietantes.


NMCJ 1
Aquarela e bico de pena sobre papel - 241 x 330 mm

Este foi o primeiro experimento. Usei o molde vazado para marcar as principais posições dos objetos e tentei seguir ao modelo, ao mesmo tempo que procurava ir além da mera reprodução. Queria mostrar o que me encantava na pintura sem imitar, mostrar o que via, além daquilo que via. Ou seja : não sei o que queria .
O que obtive foi uma imagem muito servil ao original, com manchas de cor empastadas e pouco harmoniosas, sombras e traços pesados e duros.


NMCJ 2
Aquarela e bico de pena sobre papel - 241 x 330 mm

Tentei mais uma vez. Consegui diminuir a dureza dos traços e manchas, e a imagem continuou muito presa ao original, sem as qualidades dele.
Comecei a pensar que o que queria era diluir as formas, captar a vibração da pintura sem precisar reproduzí-la.


NMCJ 3
Aquarela e bico de pena sobre papel - 241 x 330 mm

Desta vez os traços e as manchas ficaram mais soltos e expontâneos, as formas dos objetos se tornam mais imprecisas e fugidias e o branco predomina e a tela se enche de luz, Mas ainda me parece preso demais ao modelo.


NMCJ 4
Aquarela e bico de pena sobre papel - 241 x 330 mm

Quarta tentativa; as formas cada vez mais se decompõem. A jarra por exemplo aparece apenas pelo seu contorno. A imagem se torna mais desfigurada, porém ainda completamente presa ao modelo. Entretanto há muito maior liberdade na expressão de ritmos independentes da figuração, apenas pelas manchas e traços de cor, elementos concretos da pintura.


NMCJ 5 - 29/10/2008
Aquarela e bico de pena sobre papel - 241 x 330 mm

Na Quinta tentativa uma recaída na figuração. As manchas estão leves e mais soltas, os traços pouco incisivos. E a figura original domina. Parece impossível fugir de seu mando. Mas sei que não é isso o que posso mostrar. Conforme vim até aqui, pintando de olho no modelo original, imaginei que deveria ocultá-lo de minha visão e assim alcançar maior liberdade.


NMCJ 6 - 29/10/2008
Aquarela e bico de pena sobre papel - 241 x 330 mm

Foi o que fiz, usei o molde vazado para marcar alguns pontos como uma referência e escondi a imagem original. Nada feito.
Um peso insuportável domina toda a imagem e a repetição mais servil ao modelo. Porém um aspecto defeituoso me parece interessante: todos os componentes da imagem parecem colados na tela com força incrível , como se cimentados. Lembra-me da intenção sempre constante de Cézanne de dar às suas imagens solidez, e da forte estruturação que tem suas pinturas. Entretanto não era isto o que eu queria mostrar. O contrário: a energia, a fluidez, a vibração luminosa e leve de suas pinturas.


NMCJ T - 01/11/2008
Aquarela e bico de pena sobre papel - 382 x 490 mm

Neste, uma tela maior, o molde vazado foi novamente usado para marcar alguns pontos como estímulo e referência. A imagem resultante compõem-se quase que só de manchas e a referência ao modelo vai quase desaparecer. Resta a estrutura geral, a mesa , a cortina, a diagonal da cortina dividindo o quadro quase ao meio.
As manchas de cor guardam o seu caráter transparente ao máximo, dando à superfície do quadro a pulsação entre inumeráveis planos. As manchas avermelhadas que se referem aos frutos da imagem original, não se apoiam em nada, como que flutuam num giro vertiginoso no meio do quadro. Cortina e mesa passam a servir de suporte para o levitar dos objetos.
Há uma forte divisão aparente entre as esferas vermelhas e as manchas verdes que estão ao redor, como partes que não se unem. No entanto, ambiguamente, ao fixar a atenção nas partes vermelhas e verdes ao mesmo tempo, todas as partes se unem e se sustentam.

2 comentários:

júlia disse...

que legal, edilson,
eu gosto tanto das pinturas como dos comentários, com a diferença que os comentários me fazem rir de alegria!
beijo

Carlos Elydio disse...

Como havíamos comentado sobre o vai e vem das formas, realmente conseguiu atingir seus objetivos de "despreender" e decompor a forma proposta pelo original. Interessante esta força aplicada por você para vencer a "personalidade" impressa no modelo. Eu, que vi o estêncil, acho que seria interessante sua exposição aqui, como nos girassóis.
Continuo afirmando que, sua arte está num momento, verdadeiramente, muito fecundo. É delicioso acompanhar este processo.